O estudo “Capacidade de Produção de Vacinas no Brasil” revela cenário precário do Sistema Único de Saúde (SUS) e sugere medidas urgentes
Passada a pandemia de covid-19, o Sistema Único de Saúde (SUS) sofre os efeitos colaterais da falta de estrutura para cuidar da fila de meio milhão de pessoas à espera de procedimentos eletivos. Paralelamente, o fenômeno Covid Longa – sintomas persistentes após a recuperação inicial da doença – tornou-se uma preocupação para médicos, enfermeiros e demais profissionais da rede pública, afirma a Nota Técnica “Capacidade de Produção de Vacinas no Brasil”, elaborada pela Oxfam Brasil e apresentada no seminário Desigualdades, Vacinas e Pandemias, realizado nesta quarta-feira (25/10) em Manaus em parceira com a Fiocruz Amazônia.
Segundo a nota técnica apresentada pela Oxfam Brasil, o Brasil vive o risco de novos surtos de covid-19, principalmente devido à diminuição na busca por doses de reforço contra a doença. Além disso, o SUS enfrenta o grande desafio de lidar com o envelhecimento populacional e os impactos das mudanças climáticas.
O seminário realizado em Manaus conta com a participação de representantes de movimentos sociais, comunidades tradicionais e indígenas, comunidade científica e poder público, além de representantes do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (CEIS).
Novas pandemias
Sobre a capacidade de o Brasil lidar com futuras pandemias, a nota técnica da Oxfam Brasil é taxativa: o país não está preparado, por falta de investimento no Complexo Econômico-Industrial da Saúde. Isso é necessário para fortalecer a resiliência do SUS em relação a novas pandemias.
O setor responsável pela produção de novas vacinas enfrenta atualmente um gargalo em sua capacidade. O CEIS é composto por uma rede complexa que envolve setores industriais, reguladores e prestadores de serviços de saúde, que depende fortemente de insumos externos. Cerca de 90% da matéria-prima para produção de medicamentos e vacinas no Brasil é importada.
O documento da Oxfam Brasil faz referência à situação de outros países, como os Estados Unidos, que avançaram bastante no seu plano de recuperação do sistema de saúde. O país criou recentemente uma agência, a Arpa-H, para coordenar os esforços de pesquisa no setor, com a proposta de um orçamento de US$ 2,5 bilhões. Já no Brasil, as empresas e associações nacionais reclamam de regulamentações imprecisas, dificuldades de financiamento e burocracia.
A Nota Técnica traz ainda declarações de entidades de classe, como a Abiquifi (Associação Brasileira da Indústria de Insumos Farmacêuticos), que afirma ter enviado aos ministérios da Saúde e da Ciência e Tecnologia um levantamento das 50 moléculas estratégicas para produção nacional. Segundo o texto, “desse levantamento, o Brasil produz apenas 7 moléculas – embora a patente de alguns produtos já tenha caducado, não há investimento devido ao baixo retorno”. Antônio Bezerra, presidente executivo Abifina (Associação Brasileira da Indústria de Química Fina, Biotecnologia e suas Especialidades), afirma que o setor de antibióticos, por exemplo, precisará sair da estaca zero no país.
O documento apresenta recomendações e dois caminhos principais para a melhoria do quadro: investimento na ciência local e cooperação internacional com os países da América Latina. Segundo a nota: “os desafios estruturais e doenças que afetam a região não são de interesse para laboratórios de países no Norte global, por exemplo, os casos da doença de chagas, a dengue, a malária e a tuberculose. Os países da região também têm o objetivo comum de defender coletivamente os recursos ambientais e a biodiversidade local”.
Atualmente, há fábricas de vacinas em apenas três países da América Latina: México, Brasil e Argentina. A indústria brasileira é a maior entre eles, mas está longe de ser autossuficiente. Para se ter uma ideia, a China tem mais de mil fábricas produtoras de IFA (insumo indispensável na produção das vacinas contra a covid), enquanto no Brasil possui 15, com apenas duas instituições produzindo vacinas: Fiocruz e Instituto Butantã.
Apesar desse quadro, a saúde mobiliza 10% do PIB brasileiro, o que representa 1/3 do esforço científico e de pesquisa, além de gerar 9 milhões de empregos. Entre as instituições de ponta, o Brasil conta com o Instituto Bio-Manguinhos, da Fiocruz, e o Instituto Butantan, em São Paulo, que é o décimo maior produtor de vacinas no mundo.
Em abril deste ano, o governo federal divulgou a retomada de investimentos na produção de vacinas por meio do Grupo Executivo do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (GECEIS). O grupo tem a meta de acelerar a produção brasileira num ritmo em que 70% da demanda nacional seja atendida por fornecedores domésticos em até 10 anos.
A Oxfam Brasil alerta para a importância em ampliar esse investimento não apenas para contornar a crise atual, mas considerando o futuro próximo: “O sistema de saúde precisa se preparar para eventos futuros que vão pressionar a demanda por cuidado, tal como o envelhecimento da população e as mudanças climáticas”.
Para ter acesso à Nota Técnica, acesse: https://oxfam.box.com/s/zgje2c3jmri3es6i7rt8rr6f9fsc4jma
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