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Modelos de remuneração na saúde enfrentam mudanças

O pagamento baseado em valor representa uma mudança paradigmática que pode potencialmente melhorar a qualidade dos cuidados de saúde no Brasil. No entanto, sua implementação enfrenta desafios complexos, que vão desde a infraestrutura tecnológica até questões culturais e regulatórias

A saúde suplementar brasileira, composta por planos de saúde privados oferecidos pelas Operadoras de Saúde, desempenha um papel fundamental no sistema de saúde do país, atendendo a mais de 50 milhões de brasileiros, de acordo com as informações periódicas divulgadas pela ANS. No entanto, a maneira como os serviços de saúde são remunerados tem sido alvo de debate e reforma nos últimos anos. Nesse aspecto, um modelo que tem ganhado destaque é o de Remuneração Baseada em Valor, em contraposição ao tradicional pagamento por serviço prestado. 

Historicamente, o modelo de pagamento por serviço tem sido o padrão na saúde suplementar brasileira. Nesse sistema, os prestadores de serviços de saúde, como hospitais, médicos e clínicas, são pagos com base na quantidade de procedimentos realizados. Isso significa que quanto mais procedimentos são feitos, mais os profissionais e instituições de saúde recebem. Essa modelagem cria incentivos para o volume de serviços, o que pode levar a procedimentos desnecessários e custos inflados.

De acordo com dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), em 2021, 91% dos planos de saúde no Brasil ainda utilizavam o modelo de pagamento por serviço como sua principal forma de remuneração. Isso levanta preocupações sobre o desperdício de recursos e a falta de foco na qualidade e eficiência dos cuidados de saúde. Além de ser responsável pelo aumento substancial das mensalidades cobradas, afetando o beneficiário final.

O modelo de Remuneração por Valor, por outro lado, busca mudar esse paradigma. Nesse sistema, os prestadores de serviços de saúde são pagos com base na qualidade dos cuidados prestados e nos resultados obtidos pelos pacientes, ao contrário de apenas na quantidade de exames ou procedimentos realizados. Esse modelo promove a prestação de cuidados eficazes e de alta qualidade, com um foco maior na prevenção e na coordenação dos cuidados ao paciente (que passa a ser o foco central do tratamento). Ainda segundo informações da ANS, em 2021, apenas 9% dos planos de saúde utilizavam o modelo de Remuneração por Valor, mas esse número tem aumentado gradualmente à medida que os benefícios desse sistema se tornam mais evidentes. 

Segundo o Guia para Implementação de Modelos de Remuneração baseados em valor, da ANS, os pagamentos baseados em valor incentivam a inovação, a colaboração entre os profissionais de saúde e uma abordagem mais centrada na saúde do paciente. Entre as vantagens, algumas merecem maior destaque. Ênfase na qualidade: Os prestadores de serviços de saúde são incentivados a oferecer cuidados de alta qualidade, focados nos resultados dos pacientes e a melhorar o diagnóstico de enfermidades, colaborando para um desfecho de maior resolutividade. Redução de desperdício: menos incentivos para procedimentos desnecessários podem levar a uma redução de custos e desperdício de recursos, reduzindo os reajustes anuais de mensalidades que hoje são preocupantes. Melhor coordenação de cuidados: o modelo promove a coordenação entre diferentes profissionais de saúde, melhorando a continuidade dos cuidados e o acompanhamento, por exemplo, de doentes crônicos. Desfecho para o paciente: os pacientes tendem a receber cuidados mais personalizados e apropriados às suas necessidades, com tratamentos sob demanda, aumentando a satisfação geral com o plano médico adquirido.

Segundo Andrea Mente, sócia e atuária da ASSISTANTS Consultoria, “embora o modelo de Remuneração por Valor ofereça benefícios significativos, sua implementação não é isenta de desafios. A transição pode ser complexa, exigindo mudanças nas práticas de pagamento, na infraestrutura de TI, na cultura dos prestadores de serviços e, acima de tudo, na legislação vigente”, destaca.

Para Andrea, “além disso, é importante garantir que os indicadores de qualidade sejam relevantes e justos, de modo a não criar incentivos distorcidos. A avaliação constante e o refinamento do modelo são essenciais para o seu sucesso a longo prazo”, lembra a especialista.

A adoção do pagamento por valor na saúde suplementar brasileira é baseada em evidências sólidas de outros sistemas de saúde ao redor do mundo. Os Estados Unidos são um exemplo de um país que está fazendo a transição para o pagamento por valor em saúde. Uma das iniciativas mais conhecidas é o “Medicare Access and CHIP Reauthorization Act” (MACRA), que promove a transição de um sistema de pagamento predominantemente baseado em fee-for-service (pagamento por serviço) para um sistema que valoriza a qualidade e a eficiência dos cuidados. O MACRA introduziu o sistema de pagamento conhecido como “MIPS” (Merit-Based Incentive Payment System) e o “Advanced Alternative Payment Models” (APMs), incentivando os médicos a melhorar a qualidade do atendimento e a reduzir custos.

O sistema de saúde do Reino Unido, o NHS (National Health Service), também tem adotado o pagamento por valor como parte de sua estratégia para melhorar a qualidade e a eficiência dos cuidados. Iniciativas como o “Quality and Outcomes Framework” (QOF) recompensam os médicos com base no desempenho em indicadores de qualidade, como o controle da pressão arterial e a prevenção de doenças cardíacas. Além disso, o NHS está implementando modelos de pagamento por valor em áreas como cuidados hospitalares e cuidados integrados.

“O pagamento baseado em valor representa uma mudança paradigmática que pode potencialmente melhorar a qualidade dos cuidados de saúde no Brasil. No entanto, sua implementação enfrenta desafios complexos, que vão desde a infraestrutura tecnológica até questões culturais e regulatórias. Superar esses obstáculos requer uma abordagem colaborativa entre profissionais de saúde, hospitais, operadoras e autoridades regulatórias, buscando um equilíbrio entre a busca pela excelência e a sustentabilidade do sistema de saúde suplementar”, conclui Andrea.