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Educação

Acesso dos estudantes negros à educação ainda esbarra na falta de acolhimento

UnB foi a primeira universidade federal a adotar sistema de cotas raciais UnB reserva vagas para negros desde o vestibular de 2004 Percentual de negros com diploma cresceu quase quatro vezes desde 2000, segundo IBGE

Entre as diversas atribuições do ECA (Estatuto da Criança e Adolescente), prestes a completar 33 anos em 13 de julho, está a promoção da equidade racial na educação, prescritos nos artigos 15º, 16º e 21º do documento. Apesar de estarem previstos em lei há décadas, o acesso e a permanência dos estudantes negros no ambiente escolar esbarram em problemas como a falta de acolhimento.

Em dezembro de 2021, o número de estudantes negros com risco de abandonar a escola por não se sentirem acolhidos era o dobro quando comparado aos alunos brancos. Esse é um dos resultados da pesquisa “Educação na perspectiva dos estudantes e suas famílias”, realizada pelo Itaú Social, Fundação Lemann e BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento).

Na edição anterior do estudo, em setembro daquele mesmo ano, 50% dos pais de estudantes negros que recebem até dois salários mínimos disseram que temiam a evasão escolar dos filhos, enquanto em famílias de alunos brancos com renda familiar de mais de dois salários mínimos, o índice era de 31%.

“A discriminação racial pode assumir diversas formas, como provocações verbais, agressões, estereótipos negativos e exclusão social. Essas experiências negativas afetam a saúde emocional e a autoestima dos estudantes negros. É papel dos gestores e do poder público atuar intencionalmente na promoção de ambientes escolares seguros, inclusivos e livres de preconceito”, explica a gerente de implementação, Cláudia Sintoni.

No contexto escolar, cabe aos professores elaborarem atividades pedagógicas que valorizem a cultura e a história africana e afro-brasileira, conforme previsto na lei 10.639/03. Essas estratégias são importantes para despertar no estudante negro uma nova perspectiva para sua permanência na escola, como comenta o professor Alan Alves Brito da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). “Os rostos revelam as belezas, os sorrisos de liberdade e as temporalidades circulares negras, muitas vezes, ultrajadas pelo racismo”.

Um dos trabalhos do pesquisador foi o “Re-existências Negras: Caderno de Memória” que teve a proposta de elevar a autoestima de estudantes e profissionais de educação negros da Escola Municipal de Educação Básica Dr. Liberato Salzano Vieira da Cunha, instituição reconhecida como uma referência em educação quilombola de Porto Alegre (RS). 

O resultado desse material está disponível gratuitamente no acervo digital Anansi – Observatório da Equidade Racial na Educação Básica. Além deste caderno de memórias, a plataforma disponibiliza outros projetos do professor, como o livro sobre a memória e cultura da população negra da capital gaúcha e o jogo “Colha Palavras”, que registra plantas que possuem alguma função medicinal ou fazem parte de uma cerimônia curativa.

A biblioteca Anansi foi lançada neste ano em celebração aos 20 anos da Lei 10.639/03 (09/01), que inclui no currículo escolar a história e cultura afro-brasileira e africana. Ficarão disponíveis gratuitamente mais de 50 produções, entre livros, teses acadêmicas, artigos, e-books, jogos didáticos e vídeos. Parte dos futuros conteúdos serão gerados a partir de pesquisas aplicadas apoiadas pelo edital Equidade Racial na Educação Básica, do Itaú Social e Ceert (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades).

Trajetória escolar comprometida

Dados do Censo Escolar de 2022 mostram um grande percentual de estudantes pretos e pardos no EJA (Ensino para Jovem e Adulto). Segundo o levantamento, 77,5% dos matriculados no Ensino Fundamental são estudantes negros, enquanto 20,2% são brancos. Apesar do percentual diminuir no Ensino Médio, a diferença entre os dois grupos permanece grande, 69,3% contra 29,2%, respectivamente. 

O mesmo estudo revela que nos anos finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio, a maioria dos matriculados são adolescentes e jovens que possuem um histórico de interrupção na sua trajetória escolar regular, e que encontraram no EJA uma forma de concluir os estudos.

“Os gestores públicos precisam estar atentos ao risco de evasão dos estudantes, ampliando ações robustas e coesas de busca ativa e preservando o acesso à educação infantil com qualidade. O propósito é que o direito constitucional à educação seja efetivamente garantido para que todas as crianças consigam dar sequência em sua trajetória escolar”, afirma Cláudia.

Problema antigo

Desde antes da pandemia da Covid-19, a educação pública apresentava distorções entre estudantes negros e brancos. O estudo “Enfrentamento ao fracasso escolar” de 2019, feito pela Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) mostra que alunos pretos e pardos têm duas vezes mais propensão a deixar a escola do que os estudantes brancos.

Já em relação ao ensino, a prova Saeb (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica) mostra que a desigualdade de aprendizagem entre alunos brancos e negros se mantém nos mesmos patamares desde 2007, ano do primeiro cálculo do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) e de aplicação da prova nos moldes atuais.