De fala mansa e jeito simples, Zé Mocinha recebe os visitantes com um sorriso sincero na Comunidade São Marcos, no Rio Tapajós, em plena Amazônia paraense. Por três horas, veríamos nascer de nossas próprias mãos uma autêntica farinha de mandioca — deliciosa, diga-se de passagem. Logo ao lado, numa tenda simples, porém bem organizada, eram vendidos artesanatos de palha, colares de sementes e mel de abelhas nativas — e uma farinha igual à que havíamos produzido. O turismo de base comunitária que estávamos fazendo ali é um dos principais impulsionadores da economia da região de Alter do Chão, no município de Santarém, e tem sido responsável por transformações significativas na vida dos povos ribeirinhos, ou beiradeiros, como também gostam de ser chamados.
Este foi apenas um dos vários desembarques de uma navegação diferente, em jornadas de quatro a seis dias da expedição Kaiara, a bordo do Belle Amazon, uma confortável embarcação que zarpa da vila de Alter do Chão, muitas vezes chamada de “Caribe da Amazônia”. Famoso pelas praias de rio emolduradas pela intensidade da maior floresta tropical do planeta, o entorno de Alter ainda tem muito potencial a ser revelado.
Trata-se do único lugar na Amazônia com as chamadas “três águas” — as verdes do Rio Tapajós, as negras do Arapiuns e as chamadas brancas do Amazonas. Entre agosto e fevereiro, durante o “inverno amazônico”, as águas dos rios baixam revelando lindas faixas de areia clara e águas translúcidas. Contudo, de março a julho, os fluxos fluviais sobem e revelam igarapés e igapós com muita vida selvagem ao alcance dos olhos.
Tradicionalmente, a maior parte dos passeios sempre saiu e retornou a Alter do Chão, o que muitas vezes não permitia aos visitantes alcançar comunidades e atrativos naturais mais distantes. Ao perceber essa oportunidade, a operadora Kaiara colocou três barcos em operação — Tupaiu, Belle Amazon e Amazon Dolphin — que têm de quatro a 11 cabines e capacidade para até 22 passageiros.
Das pequenas cozinhas dos barcos sai um café da manhã singular e petiscos caprichados. Além de servir nas refeições um cardápio bem autêntico, que mistura o melhor da culinária paraense e contemporânea. As delícias também desembarcam nas barracas montadas em praias desertas para curtir o sol ou o entardecer. Um peixinho de rio frito com uma cerveja paraense Cerpa gelada são algumas das vivências inclusas no pacote.
Artesanato e tartarugas
As saídas — que acontecem o ano todo, revelando as múltiplas faces das paisagens — mesclam uma interação entre natureza e as pequenas comunidades locais. E tudo numa cadência muito coerente com o entorno, com um serviço de qualidade e várias surpresas. Formada praticamente por moradores da região, a tripulação esbanja simpatia e hospitalidade. Sem falar no conteúdo aprofundado dos guias.
A cada dia tudo muda. Desde a paisagem nas janelas das cabines até a programação. Geralmente são dois ou três desembarques diários, em comunidades tradicionais ou para caminhadas na mata. A Floresta Nacional do Tapajós (Flona) é uma das paradas obrigatórias em quase todos os roteiros. Com opções para viajantes mais ativos ou contemplativos, a Kaiara coloca à disposição guias para acompanharem numa trilha até a famosa samaúma gigante ou remar suavemente em igarapés de águas clarinhas.
Acompanhar a produção de artesanato e comprar diretamente das mãos dos moradores foi a forma que a operadora encontrou de colocar os visitantes diante de realidades diferentes de seu cotidiano e impulsionar diretamente as microeconomias locais. Basta conversar um pouco com os moradores para perceber o impacto desse tipo de iniciativa.
— É muito melhor para a gente do que cuidar de lavoura de mandioca e depender da venda da raiz ou da farinha — conta Luziete da Silva Correa, uma das líderes da Comunidade da Coroca, um dos pontos por onde a expedição passa.
Ali, às margens do Rio Arapiuns, os visitantes podem almoçar, conhecer um raro criadouro de tartarugas-da-amazônia e colher caju do pé. Entre outros produtos, destaque para luminárias, sousplat, cachepôs e brincos feitos de palha de curuá trançada.
A Kaiara nasceu em 2022 oferecendo navegações com pernoites a bordo até então inéditas nas regiões e comunidades no Rio Tapajós, Arapiuns e Amazonas. Martin Frankenberg, um dos três sócios-fundadores da operadora, veio a Alter do Chão pela primeira vez há 21 anos. Ele aponta um novo olhar sobre o bioma:
— Para nós, a Amazônia é a cliente e os viajantes são os patrocinadores. Queremos que as pessoas descubram e se identifiquem com cada parte da Amazônia. Quem vivencia isso valoriza.
Os outros dois sócios, Maria Teresa Meinberg e Ruy Tone, já empreendem na Amazônia há muitos anos. Ela à frente da Turismo Consciente e do Projeto Vagalume, ele liderando o Hotel Mirante do Gavião, em Novo Airão (AM), e a Katerre, com duas embarcações que percorrem o Rio Negro a partir de Manaus.
Para Keissi Borari, gestora de operação da Kaiara, anfitriã a bordo e membro do grupo de dança regional Sundaras, a intenção é mostrar uma vida ribeirinha orgulhosa de si e do ambiente que protege:
— Somos daqui, queremos ficar aqui e mostrar para as pessoas a importância desse lugar. Queremos ser essa ponte.
Quanto custa?
Os roteiros com saídas regulares de cinco dias e quatro noites custam a partir de R$ 9.900 por adulto em cabine dupla, R$ 14.900 por adulto em cabine individual e R$ 6.600 para crianças de até 11 anos. Já o fretamento da embarcação inteira começa a partir de R$ 56 mil para até quatro passageiros.
Os pacotes incluem pensão completa a bordo, bem como todos os passeios e guias. As próximas saídas estão previstas para o feriado de Corpus Christi (8 de junho) e as férias escolares de julho, além de datas em setembro, outubro, novembro e dezembro.
Há voos diários de Rio de Janeiro e São Paulo para Santarém com escala em Brasília ou Belém operados por Azul, Gol e Latam.
De O Globo.
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