Loretta Liu se formou em 2018 em uma das melhores universidades da China, alugou um apartamento na glamourosa cidade de Shenzhen e foi contratada como designer visual em uma série de empresas de alto nível, mesmo quando o desemprego juvenil na segunda maior economia do mundo estava atingindo níveis recordes.
Só que no ano passado, ela largou tudo de mão. Agora, Loretta trabalha como tosadora em uma rede de pet shops, ganhando um quinto de seu salário anterior. E passa horas em pé, vestindo um uniforme no lugar de suas roupas cuidadosamente selecionadas. Detalhe: ela está encantada com sua nova vida.
— Eu estava cansada de viver assim. Não sentia que estava ganhando nada com o trabalho – disse Loretta sobre seu emprego anterior, onde disse que tinha pouca liberdade criativa, muitas vezes fazia horas extras e sentia sua saúde mental e física se deteriorando. — Então eu pensei, não tenho mais necessidade disso.
Ela faz parte de um fenômeno que atrai cada vez mais atenção na China: jovens trocando empregos empresas nos quais trabalham sob alta pressão e enorme prestígio por trabalhos mais simples, colocando literalmente a mão na massa. A escala da tendência é difícil de medir, mas postagens de mídia social amplamente compartilhadas documentaram um trabalhador de tecnologia se tornando um caixa de supermercado; um contador vendendo salsichas de rua; um gerente de conteúdo entregando comida para viagem.
No Xiaohongshu, um aplicativo semelhante ao Instagram, a hashtag “Minha primeira experiência com trabalho físico” tem mais de 28 milhões de visualizações.
Esses jovens descrevem a alegria de horas previsíveis de trabalho e uma atmosfera menos competitiva. Mas reconhecem que a mudança exige sacrifícios – Loretta, por exemplo, disse que economizou cerca de US$ 15 mil antes de pedir demissão e cortou drasticamente seus gastos –, mas dizem que vale a pena escapar do esgotamento mental de seus empregos anteriores.
Loretta conta que prefere mil vezes a exaustão física de lutar com cães não cooperativos do que o desgaste mental de se debruçar sobre as atribuições de design que ela não havia escolhido. Muitos também dizem que procuram trabalho físico leve, não trabalho intensivo como construção civil ou empregos em fábricas.
Covid fez as pessoas reavaliarem o valor do trabalho
Em todo o mundo, a pandemia de Covid-19 estimulou as pessoas a reavaliar o valor de seu trabalho – veja a “Grande Renúncia” nos Estados Unidos. Mas, na China, as forças que alimentam a desilusão dos jovens são particularmente intensas. Longas jornadas de trabalho e gerentes dominadores são comuns. A economia está desacelerando, diminuindo a perspectiva de mobilidade ascendente para uma geração que conheceu apenas um crescimento explosivo.
Então houve os três anos de restrições da política de “zero Covid” da China, que forçaram muitos a suportar medidas de bloqueios prolongadas, demissões e a percepção de quão pouco controle seu trabalho árduo lhes dava sobre seu futuro.
– Emocionalmente, todos provavelmente não aguentam mais, porque durante a pandemia vimos muitas coisas injustas e estranhas, como ser preso – acrescentou Loretta Liu.
A tendência de mudança de emprego reacendeu um debate sobre a futilidade da corrida dos ratos. Dois anos atrás, um apelo semelhante para largar o trabalho e aproveitar a vida, chamado de “lying flat”, se espalhou amplamente on-line.
Os críticos, por sua vez, acusaram os adeptos de desperdiçar o investimento de seus pais e abandonar a diligência que ajudou a transformar a China em uma superpotência. Mas outros culparam um sistema de valores que priorizou o caminho consumista para o sucesso pelos desencanto dos jovens profissionais.
Desde então, a competição por empregos de ”colarinho branco” tornou-se ainda mais acirrada. Espera-se que um número recorde de estudantes se forme nas universidades este ano, mesmo com as empresas reduzindo as contratações. A taxa de desemprego entre pessoas de 16 a 24 anos foi de quase 20% no verão passado, segundo estatísticas oficiais, com a taxa mais alta entre os graduados em faculdades.
Portanto, em vez de se esforçar ainda mais para competir, alguns acham atraente a rota tradicionalmente menos cobiçada.
“O objetivo de estudar e acumular conhecimento não é conseguir um emprego impressionante, mas ter a coragem de aceitar mais possibilidades”, diz a descrição de um fórum on-line, que convidou seus mais de 39 mil membros a perguntar como é cansativo montar uma barraca de rua, ou para descrever sua experiência em servir mesas.
Da consultoria para a cafeteria
Quando Eunice Wang, de 25 anos, recebeu uma oferta de trabalho de consultoria em Pequim no ano passado, após terminar seu mestrado, ela aceitou imediatamente. A jovem se orgulhava de ter se destacado em meio a tanta concorrência e queria ver até onde poderia ir.
Mas a cultura corporativa da China é notoriamente exigente, com mortes de funcionários em empresas de internet levantando questões sobre excesso de trabalho e saúde mental. Logo, disse Eunice, ela caiu em um ciclo vicioso: desenvolveu ansiedade por causa de sua pesada carga de trabalho, mas estava ocupada demais para descomprimir. Também não via os pais há quase um ano, por causa das restrições de viagem impostas pela pandemia de Covid.
No ano passado, ela deu um basta. E agora trabalha em uma cafeteria em sua cidade natal, Shenyang, no nordeste da China, ganhando um quinto de seu salário anterior. Ela está morando com os pais e ganhando um dinheiro extra como ilustradora freelancer, um hobby que abandonou quando morava em Pequim.
Eunice, que descreveu sua família como de classe média, reconheceu que teve sorte por poder fazer essa escolha. Mas admitiu que voltaria ao trabalho de colarinho branco se um dia seus pais precisassem de apoio financeiro. Mas, até então, ela valorizava a oportunidade de desafiar suas antigas noções de sucesso.
– Todo mundo achava que conquistar um projeto ou um cliente era uma coisa tão boa, e eu queria me forçar a acreditar no mesmo – disse ela sobre seu antigo emprego.
Só que Eunice descobriu que encontrava gratificação suficiente em fazer amizade com um cliente ou ser elogiada por um café com leite bem feito:
– Não preciso que outras pessoas me digam o que o meu futuro reserva.
Há quem queira voltar
Mas alguns dos jovens chineses que hoje elogiam seus novos empregos de menos prestígio não planejaram inicialmente aceitá-los. Quando Yolanda Jiang, de 24 anos, pediu demissão de seu emprego de designer de arquitetura em Shenzhen, depois de ser obrigada a trabalhar 30 dias seguidos, ela esperava encontrar outro emprego corporativo. Somente após três meses de buscas infrutíferas, com suas economias minguando, que ela conseguiu um emprego como segurança em um complexo residencial universitário.
Só que Eunice descobriu que encontrava gratificação suficiente em fazer amizade com um cliente ou ser elogiada por um café com leite bem feito:
– Não preciso que outras pessoas me digam o que o meu futuro reserva.
Há quem queira voltar
Mas alguns dos jovens chineses que hoje elogiam seus novos empregos de menos prestígio não planejaram inicialmente aceitá-los. Quando Yolanda Jiang, de 24 anos, pediu demissão de seu emprego de designer de arquitetura em Shenzhen, depois de ser obrigada a trabalhar 30 dias seguidos, ela esperava encontrar outro emprego corporativo. Somente após três meses de buscas infrutíferas, com suas economias minguando, que ela conseguiu um emprego como segurança em um complexo residencial universitário.
De O Globo.
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