Por: Lissandro Breval
Vereador de Manaus e ex-presidente da
Agencia de Desenvolvimento Sustentável do Amazonas
Ao chegar em uma comunidade atingida pela alagação em Manaus, a primeira cena que vi foi a de uma uma senhora sentada na calçada. Visivelmente desolada, ela tinha perdido todos os seus bens, que agora estavam entre a lama e o esgoto. Lembro perfeitamente da televisão, do fogão, da geladeira e dos móveis. O barraco, que era o lar dela e de cinco filhos, precisava de reformas e, no meio da destruição, a esperança parecia ser o único esteio daquela mulher. Diante daquele caos, ela me explicou que a água do igarapé, totalmente assoreado, subiu muito rápido e ela não teve como colocar todas as suas coisas em cima da mesa. Nessa hora, ela me olhou e disse: a gente não mora aqui porque quer!
Muitas vezes, durante o trabalho de vereador, me deparo com a dura realidade das áreas de risco de Manaus, de milhares de pessoas morando em péssimas condições, esquecidas pelo poder público, à margem da sociedade, desempregadas, e sem perspectivas de sair da miséria.
Atualmente, Manaus conta com uma população de mais de 2 milhões de habitantes, segundo o último levantamento do Censo do IBGE, de 2022, com aumento de 14% em relação aos dados de 2010.
Grande parte dessa população vem pra Manaus em busca de emprego e melhores condições de vida, já que a capital representa mais de 95% do PIB do Amazonas em virtude do Polo Industrial de Manaus. Essa migração de municípios vizinhos e de outros estados justifica a explosão demográfica da cidade, levando a capital ao primeiro lugar em favelização no Brasil.
A área urbana de Manaus corresponde a apenas 9% do total da área da cidade de Manaus, com mais de 60 mil hectares de áreas de preservação permanente determinadas por leis, no entanto, a falta de políticas públicas habitacionais combinada com a ausência de tecnologia de monitoramento e efetivo das secretarias responsáveis pela fiscalização contribuem para a ilegalidade e facilitação de crimes decorrentes do crescimento desordenado puxado por uma indústria de invasão de áreas. Cada vez mais se desmata e degrada áreas de preservação ambiental com objetivo de comercialização de lotes ilegais e o pior: esses crimes acontecem bem debaixo do nariz das autoridades sem nenhuma providência .
Funciona assim: grandes áreas são invadidas e loteadas, rapidamente se forma uma comunidade, serviços básicos como água e energia são terceirizados e cobrados pelo crime organizado, milhares de pessoas seguem morando em péssimas condições e criando pressão sobre o poder público, que acaba entrando com infraestrutura básica, como asfalto, iluminação e água potável. Ali se forma um grande bolsão de pobreza, um bairro sem qualquer planejamento. Os maiores bairros de Manaus têm sua formação nessa estrutura política social.
O déficit habitacional chega a mais de 100 mil moradias só na cidade de Manaus e a falta de incentivos à indústria da construção civil impacta diretamente nos números da população, que vive em áreas de risco à beira de barrancos e sobre igarapés que cortam toda cidade. Essa grande demanda habitacional pode ser absorvida com o auxílio de subsídios governamentais que, inclusive, tem potencial para diminuir outra grande problemática que é o alto índice de desemprego. As pessoas fora do mercado de trabalho poderiam ser facilmente integradas pelo aumento de ofertas de empregos na construção civil.
Há muito que se fazer para tornar o ambiente da construção civil mais competitivo e promissor, ainda bastante impactado por altas taxas cartoriais, taxas de legalização públicas e burocracia, fatores que incidem nos custos dessa industria com alta capacidade de contratação e execução.
A política habitacional popular tem que ser multidisciplinar, deve ser adaptada à realidade regional. Precisamos de programas de capacitação e inclusão através de levantamento socioeconômico. Não basta conceder o benefício da casa própria para uma família de baixa renda e não inserir essas pessoas em uma nova realidade social, como por exemplo qualificar para o mercado de trabalho e demonstrar a importância da manutenção e valorização dessa nova condição. O que observamos ao logo dos anos é que, infelizmente, muitas famílias contempladas com uma unidade habitacional vendem esse bem, mesmo sem qualquer legalidade ou suporte jurídico e retornam para as áreas de risco.
O objetivo de uma política habitacional não se resume a números de pessoas e unidades habitacionais existentes. É acima de tudo, a busca por uma sociedade mais justa, é a valorização e inclusão dessas pessoas, é a resposta da sociedade organizada para combater o processo de DESUMANIZAÇÃO que enfrentamos. Trabalhamos para um 2024 marcado pelo direcionamento, principalmente do Governo Federal, de investimentos habitacionais acompanhados da parceria do governo e municípios, para avançarmos na diminuição dessa desigualdade gigantesca que assola o Amazonas.
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