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Bioeconomia florestal se mostra como futuro sustentável para comunidades da Amazônia

Aos 48 anos de idade, Rosilda do Socorro Viana Pacheco vive em um assentamento extrativista localizado a cerca de uma hora de Macapá (AP), em um percurso que inclui estrada de terra e descida por rio. Ela é presidente da Associação das Mulheres Produtoras Agroextrativistas da Foz do Mazagão Velho (Ampafoz), que reúne 120 trabalhadoras. Elas extraem cacau e cupuaçu nativos da floresta amazônica e vendem os frutos para o comércio local. A renda dessas mulheres, complementada pela pesca do camarão de água doce, varia de R$ 500 a R$ 800 ao final de cada mês.

Durante o extrativismo do cacau e do cupuaçu, as mulheres separam o fruto e rejeitam as cascas, que se transformam em lixo orgânico com sério potencial de degradação ambiental. Para se ter uma ideia, toneladas de rejeito são lançadas todos os anos aos pés dos cacaueiros e cupuaçuzeiros, provocando desequilíbrio no solo e na fauna amazônicos. Essa realidade, no entanto, pode mudar a partir do poder transformador da tecnologia e da inovação.

As mulheres da Ampafoz podem, em breve, se tornar parte importante de um projeto que pretende transformar o rejeito do cacau e do cupuaçu em fibras sustentáveis para produção de um biotecido amazônico. A ideia, ainda que a longo prazo, é que seja instalada uma planta fabril na própria comunidade para que o produto possa ser confeccionado no local. Existe a expectativa de que o alto apelo sustentável e social do projeto possa atrair a atenção de grandes grifes nacionais que venham a se tornar parceiras do projeto.

A iniciativa é apoiada pela Embrapii (Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial) e pelo BNDES, com desenvolvimento tecnológico pela Unidade Embrapii do Instituto Senai de Inovação em Biossintéticos e Fibras do Senai CETIQT (Centro de Tecnologia da Indústria Química e Têxtil), e partiu da empresa Urubatan Piatã Produtos da Floresta, que tem sedes no Rio de Janeiro e no Amapá.

Impacto social

O projeto de inovação em bioeconomia florestal não apenas resolve o impacto ambiental da cadeia produtiva, mas significa geração de renda e qualidade de vida para as associadas da Ampafoz e para todas as 600 famílias que vivem na mesma comunidade. “Nós vivemos do extrativismo de modo geral e com essa nova tecnologia poderemos aproveitar o grande desperdício que ocorre com o rejeito das cascas. Com certeza vai ser de muita importância, vai melhorar muito a vida das mulheres daqui. Aquilo que hoje a gente deixa como lixo para decomposição vai gerar renda para as nossas famílias”, comemora Rosilda.

Suiana Hasselmann, representante da Urubatan Piatã, destaca ainda outros impactos importantes do projeto: “O fortalecimento da cadeia produtiva é importante para a preservação ambiental, uma vez que deixa de sofrer ameaça do extrativismo ilegal, do desmatamento para agricultura e do garimpo irregular. Além disso, esse projeto vai resultar no empoderamento dessas mulheres que hoje realizam trabalho braçal e encontram-se subjugadas”, aponta.

O biotecido amazônico é um dos 362 projetos apoiados pela Embrapii na área de bioeconomia. Deste total, 175 contratos já foram concluídos e resultaram em 92 pedidos de propriedade intelectual. Juntas, as pesquisas já alavancaram R$ 369 milhões em investimentos entre recursos da organização, empresas e Unidades que compõem a Rede MCTI (Ministério da Ciência Tecnologia e Inovação)/Embrapii de Inovação em Bioeconomia.

Foco na região Norte

Projetos na área de bioeconomia, que transformam realidades sociais e geram renda de forma alinhada com a agenda da sustentabilidade, são uma tendência no Brasil. Eles são um dos focos do programa Inova+, uma parceria entre a Embrapii e o BNDES para apoiar o desenvolvimento de projetos de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I) em sete áreas estratégicas: bioeconomia, transformação digital, novos combustíveis, economia circular, defesa, materiais avançados e tecnologias para o Sistema Único de Saúde (SUS).

Além de atender às demandas desses setores, o Inova+ visa promover desenvolvimento tecnológico no Norte do país, com foco na inovação sustentável. Para isso, o programa tem condições diferenciadas de contratação para as empresas localizadas nos estados da região, sendo que, independentemente da receita operacional, elas podem receber até 50% do valor dos contratos em recursos não reembolsáveis.

A Embrapii já apoiou 35 empresas da região Norte do país no desenvolvimento de um total de 52 projetos de inovação tecnológica. Destes, 15 estão concluídos e resultaram em oito pedidos de propriedade intelectual. O investimento alavancado chegou a R$ 89,13 milhões.

Novas unidades

Para ampliar os projetos de inovação na região Norte, a Embrapii credenciou mais quatro institutos de pesquisa como Unidades Embrapii: Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), Universidade Federal do Pará (UFPA), Universidade Federal do Tocantins (UFT), e Instituto Senai de Inovação (ISI) do Pará. Juntas, elas receberão um investimento de R$ 9,6 milhões.

O credenciamento foi publicado em dezembro de 2022 e foi realizado por meio de parceria entre a Embrapii, o BNDES e o Ministério da Educação (MEC). “A ação foi desenhada para trabalhar com as características da indústria e do potencial econômico da região. Essa iniciativa se complementa à presença da Embrapii no Norte, que já tinha duas Unidades em Manaus, mas dessa vez com o foco específico em sustentabilidade”, disse Marcela Mazzoni, Gerente de Novos Programas e Parcerias Estratégicas da Embrapii.

O credenciamento é o que permite ao centro de pesquisa a inserção no ecossistema Embrapii de inovação e, assim, possa impulsionar o desenvolvimento de tecnologias apoiadas com recursos não reembolsáveis. Com isso, a região ganha reforço técnico para novos projetos de pesquisa.

Outros projetos

Entre as pesquisas de bioeconomia florestal apoiadas pela Embrapii e o BNDES, por meio do programa Inova+, está um projeto, iniciado em setembro de 20022, que prevê a produção dos extratos proteicos da torta de cupuaçu e torta de castanha do Brasil para aplicações alimentícias. A proposta partiu da parceria entre Cooperativa Reca (Reflorestamento Econômico Consorciado e Adensado), localizada em Nova Califórnia (RO) e, além do apoio da Embrapii, possui recursos do Fundo JBS pela Amazônia.

A Reca realiza extração de óleo de castanha do Brasil e de manteiga do cupuaçu e vende para a indústria de cosméticos. O processo de extração gera um montante alto de resíduos, chamado de “torta”, que atualmente é 100% rejeitado. O desafio apresentado pelos parceiros é o desenvolvimento de uma tecnologia capaz de garantir viabilidade financeira no aproveitamento das tortas de castanha do Brasil e do cupuaçu como potencial fonte de proteínas. A ideia é que, quando entre na fase comercial, o produto comercial possa ser vendido para a indústria alimentícia. O projeto recebeu aporte total de R$ 496 mil, entre recursos da Embrapii, unidade e demais parceiros.

Entre as empresas com pesquisas em andamento também está a Brazbio, pertencente ao grupo Centroflora. Com recursos do Inova+ e apoio tecnológico da Unidade Embrapii ISI Química Verde, a pesquisa busca o fortalecimento da cadeia produtiva do jaborandi e maximização da produção da pilocarpina, um composto bioativo usado na indústria farmacêutica especialmente em medicamentos oftalmológicos. O projeto que une bioeconomia e saúde está alinhado com os princípios de ESG – Environmental, Social, and Corporate Governance; no português Governança Ambiental, Social e Corporativa.

“O projeto do jaborandi é uma iniciativa importante em bioeconomia florestal. Estamos utilizando um ativo de sociobiodiversidade brasileira, que ocorre em regiões de Floresta Amazônica e Cerrado, e envolvendo uma cadeia sustentável que mobiliza mais de 30 mil pessoas. O projeto de inovação com a Firjan e Instituto Senai de Química Verde significa elevar a barra do nosso abastecimento responsável, reforçando a sustentabilidade da cadeia e a renda das comunidades locais”, destaca Priscylla Moro, gerente geral da Brazbio.

Priscylla ainda ressalta a importância da parceria com a Embrapii e o BNDES para viabilização do projeto. “Nós conseguimos, de forma muito ágil e flexível em todas as condições contratuais, operar esse financiamento com grande parte de fundo não reembolsável e uma contrapartida da empresa Brazbio e do Grupo Centroflora. Os recursos estão disponíveis e é uma grande oportunidade de inovação, de trazer conhecimento com base cientifica”, pontua.

Sobre a Embrapii

A Embrapii é uma organização social que atua em cooperação com instituições de pesquisa, públicas ou privadas, para atender ao setor empresarial, com o objetivo de fomentar inovação na indústria. Para isso, conecta pesquisa e empresas, e divide riscos, ao aportar recursos não reembolsáveis em projetos que levem à introdução de novos produtos e processos no mercado. Para ter acesso ao modelo, a empresa deve apresentar seu desafio tecnológico à Unidade com a competência técnica que se enquadra às necessidades de seu projeto. A Embrapii possui contrato de gestão com o Governo Federal, por meio dos Ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovação, da Educação, da Saúde e do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.