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The Flash: Muitas faíscas e um recomeço

Desde que eu me entendo por gente, nos quadrinhos da DC, Barry Allen: o Flash, ocupa um papel específico. Sempre que há algum tipo de trama confusa e complicada acontecendo – o tipo que envolve dimensões paralelas, linhas de tempo alternativas, paradoxos intermináveis etc. você geralmente pode encontrar o bom e velho Flash no centro de tudo. Ele quase sempre é a chave.

E isso faz sentido, afinal ele foi o cara que descobriu pela primeira vez que existem terras alternativas, repletas de versões diferentes dos heróis e vilões familiares de nossa Terra (isso ainda lá nos anos 60). Ele também estava lá quando, décadas depois, a DC decidiu que todas aquelas realidades alternativas haviam se tornado muito confusas e combinou todas as suas múltiplas Terras em uma na sensacional Crise nas Infinitas Terras.  

O Flash esteve lá para cada expansão e contração, cada reforma cósmica que a editora inventou. Pra mim, ele sinaliza uma limpeza da lousa, um novo começo. Então, o fato de um filme dele só chegar aos cinemas agora, embora a Warner tente fazer um desde o final dos anos 80, mesmo sobrecarregado de problemas, inclusive com o protagonista só sinaliza uma coisa: A lousa está suja e precisa ser apagada.

Mas vamos ao filme!

“The Flash” é uma história de viagem no tempo e um conto preventivo, um aviso de como pode ser perigoso mudar o passado ou mexer com realidades alternativas. Há alguma ironia nessa mensagem, considerando as muitas, muitas possíveis iterações que esta saga de super-heróis – um filme de produção muito lenta sobre um homem muito rápido (quem entendeu entendeu) – passou nas últimas décadas. 

Ao lembrar dos escândalos de Ezra Miller – que carrega nas costas quase todos os 144 minutos de “The Flash”, mas se manteve discreto durante a turnê publicitária – não pretendo alimentar outro debate sobre a cultura do cancelamento ou especular sobre a convergência de uma celebridade tóxica. Também não pretendo qualificar minha admiração pela atuação espirituosa, totalmente engajada e ágil em todos os sentidos do ator. 

Nada disso será uma surpresa para aqueles que viram as encarnações anteriores desse papel do ator em ambos os cortes de “ Liga da Justiça”. Como Barry Allen, o demônio da velocidade que consome calorias a todo momento em um super traje vermelho brilhante, Miller fez um pateta divertido e genial – uma distração bem-vinda de alguns dos temperamentos mais quentes e egos maiores do Universo Estendido da DC, mas também, em uma pitada, um aliado útil para salvar o mundo.

O filme dirigido por Andy Muschietti astutamente mantém Barry no modo de não obter nenhum respeito. Tudo começa em uma manhã tipicamente ingrata, quando Barry, correndo para trabalhar como cientista forense no departamento de polícia local, é repentinamente pressionado a assumir o manto de super-herói. Segue o traje vermelho e lá se vai o Flash, o mundo ao seu redor desacelerando para um rastreamento borrado de movimento enquanto ele corre para lidar com uma crise nas proximidades de Gotham City em que Batman (Ben Affleck), Superman e outros membros da Liga da Justiça estão muito ocupados, ausentes ou existencialmente sobrecarregados para lidar.

Michael Keaton, ao centro, interpreta o Batman, com Ezra Miller como duas versões de Barry Allen/Flash, no filme "The Flash".

O resgate que desafia a morte e despreza a gravidade que se segue – envolvendo um arranha-céu em ruínas, perigo infantil imprudente e algum CGI de aparência terrivelmente duvidosa – é algo para se ver, embora não seja tão divertido nem divertido quanto se imagina. Como em sua recente adaptação em duas partes de “It” de Stephen King, Muschietti adota uma abordagem exuberantemente maximalista que é mais forte em energia do que em sutileza. Ainda assim, seu uso inteligente de ultra-ultra-câmera lenta nos permite experimentar o ponto de vista do Flash, de se mover tão rapidamente que uma fração de segundo pode se estender para um minuto de lazer. Suas habilidades também têm seus encantos: quando um romance em potencial bate à porta na forma de uma jornalista, Iris West (Kiersey Clemons), Barry pode arrumar seu apartamento de solteiro (mas também bagunçar tudo de novo) em tempo recorde.

Com um humor suficientemente determinado, Barry pode correr tão rápido que pode inverter a ordem do tempo (tons do “Superman” de 1978). E assim ele faz, voltando a um momento fatídico de sua infância e – com uma pequena correção de curso – conseguindo salvar seus amados pais de um destino sombrio e traumatizante. Naturalmente, as leis da viagem cinematográfica no tempo, mencionadas aqui em uma boa piada de “De Volta para o Futuro”, determinam que as ações de Barry tenham algumas consequências indesejadas. Ele fica preso no passado e acaba imprudentemente unindo forças com uma versão adolescente de si mesmo (também Miller, com cabelo mais solto), que teve uma infância muito mais feliz, mas não (ainda ) têm os poderes.

Há alguma esperteza neste truque. Isso permite que “The Flash” funcione como uma espécie de história de origem furtiva de engenharia reversa, na qual Barry efetivamente nos mostra – e a seu eu mais jovem – como ele ganhou seus poderes em primeiro lugar. Ele também permite que Miller dê o tipo de desempenho eficaz de duplo problema que, o que quer que você pense, resiste aos efeitos geralmente achatados e brandos do modelo de super-herói. 

Mas por novo, é claro, na verdade quero dizer velho. Com o tempo, Barry procurará a ajuda de seu amigo Batman/Bruce Wayne, apenas para se encontrar olhando para o rosto cansado e sujo de Michael Keaton. Sim, Michael Keaton, que estrelou “Batman” e “Batman Returns” há mais de 30 anos, agora ressurgindo das sombras para a luz brilhante da linha do tempo alternativa deste filme. Suponho que poderia ter começado isso com um aviso de spoiler, mas, sério, nesta fase de exageros de filmes de super-heróis, quem estamos enganando? Ouvir que o Batman de Keaton aparece em “The Flash” não é mais uma surpresa do que ouvir que o filme foi rodado em cores, cheio de efeitos digitais e que teve uma cena pós-créditos inútil.

Ezra Miller e Sasha Calle no filme "The Flash".

A performance de Keaton – manhosa, afetuosamente mal-humorada, sutilmente reverberante – é certamente um dos destaques de “The Flash”. Mas também revela, com clareza deprimente, a pobreza imaginativa do design do filme. Porém, a nostalgia ainda é tão satisfatória? Quais são os ganhos criativos, exatamente, de uma sequência que imita habilmente o brilho sombrio e melancólico de Gotham City de Tim Burton, até as notas melancólicas da trilha sonora de Danny Elfman? Vale a pena aplaudir, como muitos na minha exibição fizeram, quando atores de filmes épicos quadrinhos anteriores da DC são arrastados para a tela para ter alguns momentos de despedida? Alguém realmente quer passar mais tempo com o General Zod, o idiota megalomaníaco de Michael Shannon do melancólico “Homem de Aço” ? (A julgar por uma entrevista recente , até o próprio Shannon diria que não.) Não me entendam mal, eu surtei quando vi o Batman na tela, porém seu destino não me agradou. Me trazem Keaton pra realidade dele ser a que não sobrevive? Sacanagem.

Por falar nisso, foi massa ver o Batman de Adam West, o Superman de Reeves e finalmente ver Nicolas Cage usando o manto sagrado lá dos anos 90, porém mais uma vez somos bombardeados por um CGI de Playstation 2, que de acordo com o diretor foi proposital. (Para mano, só para)

Voltando… Zod chega explodindo e carrancudo em “The Flash” relativamente tarde, na mesma época em que uma sombria Sasha Calle surge no quadro como Kara Zor-El, também conhecida como Supergirl. Ambos os Flashes também estão lá, embora a essa altura, até mesmo a engenhosidade da velocidade da luz de Miller tenha sido reduzida a apenas mais um elemento em meio a um borrão de ação barulhenta e obliterante. A questão mais convincente que “The Flash” coloca, no final, tem pouco a ver com separar a arte do artista; é sobre se podemos separar o filme do fan service. Perdido em um jogo interminável de troca de cadeiras musicais de IP, Barry percebe, possivelmente tarde demais, a futilidade de insistir no passado – uma lição tola de um filme que não consegue parar de fazer o mesmo.

O que é bom: é uma visão alucinante do multiverso trazendo de volta ‘quadrinhos’ para os filmes de ‘quadrinhos’

O que há de ruim: O CGI grita ‘2016’ em vários lugares. Completamente a participação do Batman de mamilos, George Clooney.