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Líder do Javari diz que presença do Estado garantiu paz muitos anos

Segundo Eliésio Marubo, indígenas nem sempre conviveram com violência

A Terra Indígena (TI) Vale do Javari ganhou foco após o assassinato brutal do indigenista Bruno Pereira, também servidor da então Fundação Nacional do Índio (Funai), e do jornalista britânico Dom Phillips, correspondente do jornal britânico The Guardian, em junho de 2022. Entre o movimento indígena e antropólogos, o nome da região já havia se tornado referência muito antes, por ter a maior concentração de indígenas isolados do mundo e ser arena de disputas de poder. 

O território fica localizado nos municípios de Atalaia do Norte e Guajará, no oeste do estado do Amazonas. Os povos indígenas que vivem na região nem sempre conviveram com a violência, e o que evitou isso foi a proteção de órgãos públicos, conta Eliesio Marubo, procurador jurídico da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja).

“Por volta do fim de 2009, a Polícia Federal (PF) trabalhava com uma equipe de inteligência do Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis]. Atuavam muito na região. Foi uma época de paz, por muitos anos”, lembra

Eliesio conta também que, embora tenha havido sossego em outra época, no período que antecedeu o homicídio de Dom e Bruno, uma tensão pairava no ar. “Havia um clima de hostilidade, por conta dos trabalhos que a Univaja já vinha fazendo, e culminou com o aumento dessa hostilidade e da criminalidade na região. Ou seja, mais interesses. E ele [Bruno] era uma pedra de tropeço”, diz o procurador.

Hoje, uma comitiva de primeiro e segundo escalão do governo inicia força-tarefa no território, a fim de restabelecer a sensação de guarida e cooperação entre o Poder Público e os povos que habitam o local. Participam do grupo representantes dos ministérios dos Povos Indígenas, da Justiça e Segurança Pública, dos Direitos Humanos e Cidadania, além da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). Também confirmaram presença o Ibama, a PF, a Polícia Rodoviária Federal (PRF), a Força Nacional e o Ministério Público Federal (MPF).

A maior parte da TI Vale do Javari fica em Atalaia do Norte (AM). A Agência Brasil quis saber de Eliesio o que considera estratégico para o combate aos crimes na região. “Acho que a criação de uma base em Atalaia do Norte é mais eficaz do que eles [agentes das forças de segurança e fiscalização ambiental] ficarem em Tabatinga, porque são muitos quilômetros de distância. Então, se tomarem o cuidado de ficar mais próximos do Vale do Javari ou, quem sabe, montar uma base móvel no Rio Javari, entendemos que diminui um pouco a criminalidade”, defende.

Violência e ambição

Homologada em 2001, a TI Vale do Javari tem 8,5 milhões de hectares e as ameaças com as quais convive têm complexidade proporcional à sua extensão. Trata-se da segunda maior área indígena do Brasil, que perde, em tamanho, apenas para a TI Yanomami, com 9,6 milhões de hectares, e divide alguns dos problemas, como o garimpo ilegal. Pesquisadores e entidades como o Instituto Socioambiental (ISA), a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), o Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (OPI) e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) têm advertido constantemente as autoridades quanto à presença de narcotraficantes, madeireiros, caçadores, pescadores e garimpeiros ilegais. 

Na fronteira com o Peru, a TI Vale do Javari é também alvo de exploração de petróleo, contra a qual têm se erguido os matsés. Segundo registro do Cimi, foi criada, em 2021, a Equipe de Vigilância da Univaja (EVU) para diminuir a fragilidade dos povos da região.

Em setembro de 2019, quando o governo Bolsonaro ainda não havia restringido tão fortemente o alcance do trabalho do Ibama, a autarquia desativou cerca de 60 balsas que faziam garimpo ilegal nas TIs Vale do Javari, Katuquina do Rio Biá e na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Cujubim, no oeste do Amazonas. Esse foi o saldo da Operação Korubo, feita em conjunto com a Funai e a PF e colocada em prática após cinco meses de planejamento e preparo logístico.

Os korubo são um dos povos da TI Vale do Javari. Também se encontram ali mais 25 povos, dos quais 19 são de isolamento voluntário, de acordo com o ISA, como os mayuruna/matsés, os matis, os kulina pano, os kanamari e os tsohom-dyapa. Conforme o Centro de Trabalho Indigenista (CTI), esses povos, juntamente com os korubo e os marubo, compartilham alguns traços socioculturais, como a língua pano, e, ao mesmo tempo, apresentam diferenças relevantes entre si. A população total é de mais de 6,3 mil pessoas, pela contagem do Distrito Sanitário Especial Indígena (Disei) local.

Parte dos povos é de recente contato. Os kanamari e os marubo, por exemplo, mantêm contato com não indígenas há cerca de um século.

Um boletim do ISA mostrou que, entre o primeiro e o segundo bimestre de 2022, o desmatamento em terras indígenas com presença de povos isolados aumentou. Em janeiro deste ano, o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) divulgou o estudo Isolados Por um Fio: Riscos Impostos aos Povos Indígenas Isolados, que ressalta que territórios da Amazônia em que vivem povos isolados são mais ameaçados do que os que não têm a presença dessa população.

Em informe técnico, o instituto relaciona cinco riscos que afetam direitos fundamentais de indígenas em isolamento voluntário: desmatamento, incêndios, grilagem, mineração e desestruturação de políticas públicas específicas, considerada um risco jurídico-institucional e um agravante na exposição de territórios aos demais processos.

De Agência Brasil.