A iniciativa Uma Concertação pela Amazônia chega aos Diálogos Amazônicos, da Cúpula da Amazônia, em Belém (PA), nos dias 4 a 6 agosto, com sua terceira contribuição para o desenvolvimento sustentável da região. Sob o título Propostas para as Amazônias: Uma Abordagem Integradora, o novo documento reflete o amadurecimento dos debates da rede e coloca a qualidade de vida da população local no centro das propostas.
A publicação inova ao trazer para o debate uma perspectiva que subverte a lógica setorial, que costuma segmentar temas interdependentes, e revela que saúde, educação, segurança, bioeconomia, ciência, tecnologia e inovação (CT&I), povos indígenas e comunidades tradicionais estão mais interligados do que se imagina.
“Identificar a conexão entre esses temas é um passo fundamental para desatar nós críticos da complexa trama de fatores humanos, políticos, econômicos e ambientais que impedem o avanço do desenvolvimento da Amazônia”, afirma Lívia Pagotto, co-secretária-executiva da rede Uma Concertação pela Amazônia. “Nossa abordagem é integradora. Buscamos conciliar a conservação da biodiversidade amazônica com o bem-estar da população local, o que pressupõe condições sanitárias, educacionais, de segurança e de infraestrutura equivalente a do restante do país.”
O conhecimento reunido no documento é resultado do esforço de curadorias temáticas conduzidas por especialistas no assunto e complementadas por relatorias utilizadas no documento publicado pela Concertação no fim de 2022. A ambição da publicação, ao identificar essas conexões, é inspirar formuladores de políticas públicas, cientistas e tomadores de decisão que atuam nas Amazônias. “A interconexão entre os temas permite perceber padrões, relacionamentos, agentes sociais e influências que moldam nossa compreensão. Por exemplo, estudar interações entre o combate ao desmatamento (dimensão ambiental), o extrativismo (dimensão econômica) e a educação (dimensão social) ajuda a entender os desafios impostos pela emergência climática nas Amazônias. E, assim, propor soluções mais adequadas aos contextos locais”, explica Lívia.
Amazônias no currículo
A publicação revela que o macrotema da Educação ancora assuntos-chave para a população local e essenciais para o desenvolvimento. É o caso da segurança pública: a leitura da rede é de que é papel do Estado, de políticas públicas e das escolas garantir a educação como alternativa às ilegalidades e às atividades predatórias.
“O direito à educação passa, necessariamente, pela articulação com outros direitos sociais, em busca de garantir o pleno desenvolvimento da pessoa, a preparação para o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho”, explica Fernanda Rennó, co-secretária-executiva da Concertação. A publicação mostra que ainda há muito a ser feito pela educação amazônica e propõe novas possibilidades para o currículo das escolas, como a inclusão da bioeconomia e os saberes tradicionais como assuntos essenciais.
Um exemplo emblemático dessa abordagem é o programa Itinerários Amazônicos (IAM), que nasceu a partir de trocas interdisciplinares dentro da rede. Desde abril de 2023, o IAM busca transformar a realidade da educação amazônica por meio de formação docente para redes estaduais de ensino no Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Tocantins e Roraima. Trata-se de uma parceria do Instituto iungo, do Instituto Reúna e da rede Uma Concertação pela Amazônia, com apoio financeiro do BNDES, do Movimento Bem Maior e do Instituto Arapyaú.
“O programa quer povoar de Amazônias — sim, no plural, para evidenciar a multiplicidade de aspectos que conformam o território — os currículos brasileiros. Isso é feito por meio da produção de conteúdos pedagógicos centrados em temáticas, questões e referências amazônicas. E envolve a formação continuada de educadores das redes de ensino parceiras”, explica Fernanda.
A iniciativa produziu 13 unidades curriculares para os itinerários formativos dos currículos de Ensino Médio. O material gratuito está sendo utilizado por professores e por gestores escolares, para o trabalho de aprofundamento nas áreas do conhecimento e Projetos de Vida. Foi produzido por uma equipe multidisciplinar de mais de 120 pessoas, entre especialistas, representantes das secretarias de educação parceiras, educadores e jovens amazônicos.
O novo documento da Concertação também consolida uma série de estatísticas sobre a educação na região. A realidade atual está aquém da média brasileira tanto em qualidade do ensino quanto em infraestrutura: menos de 60% das escolas de Educação Básica do Acre, do Amazonas, do Pará, de Roraima e do Amapá têm acesso à internet, e das 35.438 escolas da região, apenas 6% possuem laboratório de ciências, 20% possuem laboratório de informática e 24% possuem biblioteca.
Teia complexa
Um dos achados da Concertação foi a constatação de uma ampla rede intertemática em torno de CT&I, assunto conectado a 11 temas. O documento mostra que o avanço de pesquisas e o desenvolvimento de tecnologias para problemas do mundo real depende de fomento a pesquisas voltadas a economias verdes e transição energética (economia), de criação de conexões entre instituições de pesquisa locais-globais (governança), de intercâmbio entre pesquisadores de centros de pesquisa de ponta (educação), de regulamentação da repartição de benefícios pelo uso da biodiversidade e conhecimentos tradicionais (povos indígenas e comunidades tradicionais), de prospecção de insumos para vacinas e novos medicamentos (saúde), para citar alguns exemplos da complexa teia de relações.
Na visão da Concertação, essa agenda está totalmente conectada com desafios mais urgentes da região, como a erradicação da fome, o gerenciamento da emergência climática, a necessidade de reindustrialização, a melhoria da educação em todos os níveis, o desenvolvimento de produtos e serviços de saúde e a construção de infraestruturas e cidades inteligentes.
A recuperação das instituições de ensino e pesquisa da região é colocada como prioridade, a começar pela recomposição dos quadros de pesquisadores e funcionários. O documento aponta que, apesar do crescimento de 109,4% na última década, em 2021 a Amazônia Legal teve uma taxa de 20 mestres e doutores por 100 mil habitantes, inferior à média do restante do país, que é de 40. Outro número que mostra as dificuldades do setor, apresentado na publicação, é o de patentes concedidas. De acordo com o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), a região tem baixa performance no setor, detendo 1,6% das concessões brasileiras em 2021; 42% delas concentram-se no estado do Amazonas.
A vida sob os pés das florestas
Ao longo da publicação, ilustrações de diversas espécies de fungos e a proposta de uma “árvore da vida” amazônica da artista visual Hadna Abreu, de Manaus, se misturam com o texto e convidam os leitores a refletirem sobre como as conexões, nem sempre visíveis, podem revelar sinergias e caminhos para a cooperação.
“Há uma intensa atividade, praticamente invisível, acontecendo sob os pés da floresta. Os fungos são seres vivos minúsculos que formam extensas redes que criam uma conexão capaz de nutrir e sustentar toda a vida da maior floresta tropical do mundo”, diz Fernanda Rennó. “O modo como a Concertação pela Amazônia atua mimetiza essa função vital das redes fúngicas.”
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